segunda-feira, 15 de março de 2010

Vírus Emergentes. I - Imprevisibilidade e caos

(se utilizar partes do texto, cite a fonte: Portela Câmara, F. Vírus Emergentes. I - Imprevisibilidade e caos, in www.popdinâmica.blogspot.com)

A propagação de uma infecção segue a lei de ação das massas. Quanto maior a concentração de indivíduos susceptíveis expostos a indivíduos infecciosos, maior é a taxa de infecção e mais rapidamente a epidemia se propaga. Definimos um num erro básico de reprodução da infecção, Ro, como o número de infecções secundárias produzidas por um indivíduo infectado durante seu período de transmissibilidade da infecção, dentro de uma categoria particular de risco onde todos os outros indivíduos são susceptíveis. Este parâmetro é avaliado quando a epidemia tem início. Ro é função dos seguintes parâmetros:

Ro = bcD

Onde b é a probabilidade de um infeccioso transmitir a infecção para um susceptível durante um contato; c é o número médio de susceptíveis contactados (expostos) durante o período médio (D) da fase contagiosa do infectado.
Se Ro > 1, o número de infectados crescerá exponencialmente, gerando-se cadeias de infecção, e assim teremos uma epidemia; se Ro < 1, a epidemia não se auto-sustenta e tende a desaparecer (as cadeias de infecção não se propagam); e se Ro = 1, o patógeno persiste endemicamente na população.
Em outras palavras, Ro > 1 é o fator que permite o vírus invadir uma população. May (1996) também o define como uma propriedade Darwiniana do patógeno.

Fenômenos limiar e imprevisibilidade

O conceito convencional de limiar epidemiológico está baseado na idéia de que a população em estudo está em equilíbrio (steady-state), mantendo-se mais ou menos fixa ou variando tão lentamente que podemos considerá-la constante quando examinamos fenômenos em escala de tempo bem menor, como é o caso de uma epidemia que pode durar apenas poucos meses na vida de uma comunidade. Este é o raciocínio comumente utilizado em ecologia de populações e tem por fundamento paradigmático o crescimento logístico. Dentro deste raciocínio, a fração de susceptíveis é previsível e mais ou menos fixa, e os princípios epidemiológicos seriam determinísticos.
Populações, contudo, não têm o equilíbrio como regra, e podem eventualmente exibir comportamento oscilatório ou mesmo caótico. Para melhor compreender isto, vamos considerar, para efeito didático, uma população de insetos com gerações não superpostas, sendo L a taxa de reprodução por geração. A lei de crescimento desta população é dada pela conhecida equação logística:

Nt+1 = LNt (1 – Nt)

Vamos considerar que um vírus se espalha nesta população e que parte dela morre no estágio de desenvolvimento anterior à idade de reprodução (May, 1985). A dinâmica desta infecção letal será dada pela equação discreta:

Nt+1 = LNt [1 – I(Nt)]

Sendo I(Nt) a fração de indivíduos infectados removidos da geração LNt. A relação 1 – I(Nt) é uma forma do Teorema do Limiar (Kermack e McKendrick, 1929) cuja expressão é:

(1 – I) = exp(-INt/N)

Tal que

[1 – I(Nt)] ~ [1 – I] = exp(-INt/N)

logo,

Nt+1 = LNt exp(-INt/N)

A iteração desta equação revela uma dinâmica não-linear típica que, segundo a faixa de valores assumidos pelo parâmetro de controle (L), manifestará comportamentos diversos: estados de equilíbrio estacionário (steady-steady), oscilações variadas, ou caos (dinâmica instável com sensibilidade a valores iniciais). Os surtos imprevisíveis e violentos de viroses infantis agudas (ex.: sarampo) que ocorriam antes da vacinação coletiva, entre os períodos inter-epidêmicos, mostram uma dinâmica sugestiva de caos (May, 1996). Ora, isto nos chama a atenção para uma possível dinâmica caótica em epidemias por vírus emergentes, como sugerem a imprevisibilidade de seu surgimento e as típicas oscilações irregulares exibidas durante o seu curso.
O comportamento não-linear das epidemias questiona o conceito de limiar epidemiológico. A teoria do caos ensina que populações podem exibir dinâmicas diferentes quando um de seus parâmetros é alterado, p. ex., se o comportamento reprodutivo muda, se um determinado comportamento social passa a ser adotado pelo grupo, convivência com outros rebanhos, povoamento de novos ambientes, aquisição de novos costumes sexuais ou alimentares, etc. Tais considerações devem ser levadas em conta, senão estaremos fadados a repetir o velho jargão de responsabilizar as infecções emergentes ou re-emergentes a “alterações ecológicas”, “invasão de nichos ecológicos”, “miséria do terceiro mundo”, etc. (May, 1996), que são nada mais que expressões vagas e inúteis.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Dinâmica Evolucionária dos Vírus. II - Evolução da Quase-Espécie

(se utilizar partes do texto, cite a fonte: Portela Câmara, F. Dinâmica Evolucionária dos Vírus. II - Evolução da Quase-Espécie, in www.popdinâmica.blogspot.com)

O grande problema com a teoria da evolução é que ela requer um diligente e bem orientado estudo para se compreender seus mecanismos, interpretar as evidencias e compreender os seus meandros e complexidade. Por exemplo, a maioria dos que estudam evolução ainda consideram que seu impulsionador é apenas a seleção natural, e que esta atua na seleção das variedades mais aptas. Sabemos hoje que a seleção natural não é a única força em ação na evolução e que nem sempre os mais aptos são selecionados.
A evolução é definida em função da variação na freqüência de genes na população de uma espécie ao longo do tempo. Isto acrescenta um fato essencial: a seleção freqüência-dependente, ou seja, a aptidão (fitness) de um gene depene da freqüência com ele está ocorrendo na população.
Em relação aos vírus os mecanismos básicos da evolução podem ser surpreendidos com notável simplicidade. Durante a replicação do DNA o RNA podem ocorrer erros ou mutações que podem se manifestar no fenótipo do individuo. Estas mutações podem ser puntiformes (substituição de um nucleotídeo), por inserção, por elisão (deleção) ou por recombinação. Destas, as mutações puntiformes são as mais simples de se seguir e compreender mais facilmente. Considera-se que a taxa, U, de mutações puntiformes seja a mesma em qualquer posição do genoma e sua ocorrência independente umas das outras, isto é, a ocorrência de uma mutação não influencia o aparecimento de outra.
Para o HIV, U = ~ 3 x 10-5 em um genoma de tamanho, L = 104 bases nucleotídicas. A probabilidade deste genoma se replicar sem haver mutação é (1 – U)L = 0,74, e a probabilidade que uma mutação específica (ex., resistência a um antiviral ou escape imune) é dada por U(1-U)L-1 = 2,2 10-5. Se 109 células recentemente infectadas são produzidas a cada dia, então qualquer mutante com uma única mutação por genoma aumentará 22.000 vezes a cada dia. Este número nos mostra o enorme potencial do HIV escapar de pressões eletivas criadas para controlá-lo. Isto é válido para os demais vírus e microorganismos.
Os vírus, especialmente os RNA vírus, sofrem mutações a cada ciclo replicativo e deste modo suas sequências descendentes não são idênticas, mas uma distribuição de erros (mutações puntiformes) que garante uma proporção de infecciosos cm virulência em diferentes graus. Deste modo, os genomas infecciosos e virulência são constantemente selecionados a cada ciclo infeccioso. Este genoma é, na verdade, uma espécie de nuvem de variantes mínimas que caracteriza o vírus que, por tal razão, deve ser considerado uma quase-espécie.
Representamos as variantes genômicas de um vírus em uma dimensão, sendo o grau de aptidão de cada variante representado pela altura de uma vertical. O aspecto desta representação é o de uma paisagem com montanhas e vales. Os picos mais altos representam as melhores aptidões. A quase-espécie “detecta” gradientes de altura na paisagem e tenta escalar as montanhas para alcançar os picos. Nesta paisagem evolutiva as quase-espécies estão sempre escalando as montanhas em espaços de alta dimensão; quanto mais alto, maior a aptidão, então evolução aqui significa “ir para cima”.



Para escalar os picos mais altos e permanecer lá é preciso que a taxa de mutação, U, não exceda um valor crítico, Uc, chamado limiar de erro catastrófico, do contrário a aptidão não mais se fixará (catástrofe de erros). Taxas pequenas de mutação garantem que o genoma permanece no pico com uma estreita distribuição em torno dele; se a taxa é zero, a aptidão será máxima ocupando apenas um pico.
Nem toda paisagem adaptativa tem limiar de erro. Picos estreitos de altura finita têm sempre um limiar de erro, o que garante sua altura e estreiteza; se o pico é muito largo tal que muitas sequências no espaço sequencial estejam nas ladeiras do pico, então não há necessidade de limiar de erro.
É fácil determinar o limar de erro catastrófico, Uc, uma vez que ele é igual ao inverso do tamanho, L, do genoma, Uc = 1/L. Deste modo, a taxa máxima de mutação que ainda é compatível com a aptidão tem de ser menor que o inverso do tamanho do genoma.
A sequência mais adaptada da quase-espécie é a “sequência mestre” ou tipo selvagem, enquanto as demais são as “mutantes”. A aptidão é traduzida no maior coeficiente de reprodução possível, ou seja, na taxa de replicação viral. Isto é dado na equação do replicador:
dxi/dt = ∑xjfjQji – φxi
Onde dxi/dt é a taxa instantânea de replicação da quase-espécie (sequências i), xj a freqüência da sequência j, fj a função de adaptação de j, Qji a taxa de mutação j  i, e φxi é a adaptação média da quase-espécie.
Seleção da quase-espécie
Considere as paisagens adaptativas da figura abaixo, com um pico alto e estreito, e outro menor e mais largo. Se U é muito pequena o equilíbrio da quase-espécie estará centrado no pico alto, prevalecendo a sequência mestre; quando ela aumenta (U’) haverá uma transição para o pico mais baixo, prevalecendo as sequências mutantes vizinhas. Além do limite crítico de erro (Uc ou 1/L) nenhum pico pode ser mantido. A figura abaixo ilustra esta dinâmica.



A conclusão do que foi exposto é simples: a seleção nem sempre favorece ao mais adaptado. Para qualquer taxa de mutação a seleção escolhe a distribuição de equilíbrio da quase-espécie com aptidão média máxima. Assim, a seleção do mais apto é substituída pela seleção da quase-espécie.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Dinâmica Evolucionária dos Vírus. I – Redefinindo a Natureza Viva: O Paradigma Genômico

(se utilizar partes do texto, cite a fonte: Portela Câmara, F. Dinâmica Evolucionária dos Vírus. I – Redefinindo a Natureza Viva: O Paradigma Genômico, in www.popdinâmica.blogspot.com)

Discutir se um vírus é vivo ou não é uma questão recursiva que não leva a conclusão alguma. É certo que células se reproduzem e são autônomas na obtenção de sua energia e biossíntese; os vírus não seguem este padrão, mas parasitam células e utilizam a energia e o equipamento de biossíntese desta.
O parasitismo é uma forma de vida em que um ser depende do outro para realizar seu ciclo vital. A biologia parasitária é um fenômeno central em biologia e evolução. A palavra “parasita” designa qualquer forma de vida que se completa ao interagir outra, de onde obtém recursos para sobrevivência. Todo ser vivo depende indiretamente do outro, e a grande maioria depende diretamente do outro. Os vírus não constituem uma exceção, e mostram que esta inter-relação desce ao nível molecular e é o ponto de partida para a evolução.
O desenvolvimento da Genética e da Biologia Molecular deixaram claro e evidente que a unidade de evolução é o gene ou um grupo de genes atuando sinergicamente para que uma função ou comportamento se atualize. Em dinâmica evolucionária, chamamos genericamente replicador a esta unidade de evolução. A evolução de grupo não é mais aceita. Darwin aceitava esta hipótese porque em seu tempo a genética ainda não tinha sido descoberta, e mais recentemente a teoria de Vero Wynne-Edwards da seleção de grupo não resistiu às evidências e críticas. A crítica de George Williams à hipótese de Wynne-Edwards, por exemplo, foi tão influente entre os evolucionistas que acabou por provocar uma explosão na literatura, da qual as obra de Richard Dawkins (O Gene Egoísta) talvez seja a mais conhecida, bem como as de W. D. Hamilton, R. Trivers, G. C. Wiliams, J. Maynard Smith, K. Sigmund, e outros, sem esquecer um pioneiro, R. A Fisher.
As células e organismos não são santuários genéticos onde os genes estão isolados e imunes ao meio ambiente. Na biosfera circulam numerosas formas de replicadores que invadem transitoriamente células ou nelas se estabelecem, ora silenciosamente, ora ativamente. É neste sentido que a biologia moderna encara a vida, uma teia de fluxos gênicos conectando as mais diversas formas de organização biológica, das mais elementares às mais complexas. Há uma teia dinâmica de genomas, do primitivo ao complexo, que se comunicam, interagem e evoluem. A biologia moderna “vê” a biosfera como genomas em evolução cooperando um com os outros, e a preservação deste hipergenoma é hoje uma questão não apenas biológica como vital para a existência futura do planeta em que vivemos.
O que a biologia clássica chama vírus são genomas autônomos que transitam entre células e ai se reproduzem e co-evoluem. Estes genomas são como módulos que transferem informação genética introduzindo variedade gênica e podem se fixar possibilitando evolução por saltos. Isto é metaforicamente repetido pela terapia genética, que utilizando vírus como vetores de genes, reproduz no laboratório o que a natureza tem feito desde que a primeira protocélula emergiu no oceano primitivo.
Sendo replicadores, a manifestação primária dos genomas virais é a sua reprodução, força cega da natureza que garante a preservação de genes e sua evolução. Isto é percebido como infecção viral e epidemias, ocultando a notável competição evolutiva entre genes por toda biosfera.

Infecções do Sistema Nervoso com Sintomas Neuropsiquiátricos

Este assunto pode ser consultdo em:

Câmara FP. Infecções e doenças mentais, Psychiatry On-Line Brazil, 14(09), 2009, disponível em http//:www.polbr.med.br/ano09/cpc0909.php#1 (acessado em 30/12/2009).

Câmara FP. Vírus Nipah e depressão, Psychiatry On-Line Brazil, 14(10), 2009, disponível em http//:www.polbr.med.br/ano09/cpc1009.php#1 (acessado em 30/12/2009).

Câmara FP. Bornavírus e doenças psiquiátricas, Psychiatry On-Line Brazil, 15(01), 2010, disponível em http//:www.polbr.med.br/ano10/cpc0110.php#1(acessado em 30/01/2010).

Câmara FP. Atualidade das neuroinfecções, Psychiatry On-Line Brazil, 15(02), 2010, disponível em http//:www.polbr.med.br/ano10/cpc0210.php#1 (acessado em 01/03/2010).